domingo, junho 10, 2007

“A criação de campos de golfe não acaba com a agricultura”

José Paula Brito, presidente da Junta de Freguesia de Estoi
“A criação de campos de golfe não acaba com a agricultura”
Com uma vida ligada à agricultura, o autarca de Estoi não teme a criação de empreendimentos turísticos na área do golfe no interior algarvio. José Paula Brito “bate palmas” a iniciativas privadas que “potenciem o desenvolvimento” da sua aldeia e que fixem a população

O Algarve (OA) – O Palácio de Estoi vai agora ser recuperado. Como vê a concretização desta reivindicação?
José Paula Brito (JPB) – Esta era uma reivindicação muito antiga da Junta de Freguesia, porque se estava a degradar todos os dias. Este é um palácio único no Algarve e que valoriza qualquer região onde esteja implantado, ou não fosse um palácio barroco. O projecto do palácio e jardins foi efectuado todo ao mesmo tempo, embora se tenha pensado a determinada altura que o visconde de Estoi tinha adulterado o projecto inicial, o que se veio a revelar sem fundamento após se ter encontrado um desenho original de 1800, onde mostra o palácio tal como é hoje.
OA – Como a freguesia se está a preparar para receber o turismo?
JPB – Estoi é uma aldeia que, felizmente, por não estar na orla litoral, não sofreu a mesma hecatombe que as localidades situadas junto ao mar. Numa altura em que não havia restrições, os núcleos históricos dessas localidades piscatórias foram completamente desvirtuados. O exemplo mais paradigmático é Quarteira. Em Estoi, como não houve um surto de desenvolvimento, a aldeia manteve-se como era antigamente. Agora o núcleo urbano está a crescer, após a alteração do Plano Director Municipal (PDM), e isso permite a expansão com regras da aldeia.
OA – Mas com a criação da pousada têm de ser criadas as infra-estruturas?
JPB – Estoi tem o núcleo histórico da aldeia muito preservado, bonito, característico e com grande potencial turístico. Temos apenas de retirar alcatrão de determinadas ruas e voltar a colocar calçada, dando-lhe um cunho mais tradicional. Já a prever o crescimento do número de visitantes, após a remodelação do Palácio, foi remodelada a Praça da Liberdade – onde está a Igreja Matriz – e por onde se faz a entrada para o Palácio. Ao transformar-se aquela zona em pedonal, as esplanadas ganharam nova vida. Não devemos gostar dos turistas apenas por gostar dos turistas. Portugal e a economia têm de avançar: temos de criar condições para que os turistas parem num determinado local e gastem lá dinheiro.
OA – Que condições são essas?
JPB – Por exemplo, os pequenos cafés que existem no centro dessa praça, não têm quase espaço interior que permita ter um lucro de modo a ser um negócio sustentável. Quando aquela praça ficou como zona pedonal, isso permitiu duplicar o espaço desses estabelecimentos comerciais. E é essa valorização dos núcleos históricos das aldeias que permite captar investimento, até por parte do visitante. Isso faz falta, em especial nas aldeias do interior que têm necessidade que surjam actividades económicas, nem que seja os pequenos negócios do restaurante, bar e café, para que não se transformem em aldeias dormitório, uma vez que as pessoas vão todas para os grandes centros trabalhar nos serviços públicos e durante o dia desertificam a aldeia. Por isso, as obras que têm sido realizadas vão valorizar a terra sobre o ponto de vista estético e vão potenciar o aparecimento de investimento.
OA – Fala-se na realização de um campo de golfe entre Estoi e Santa Bárbara de Nexe. Como vê a criação de uma infra-estrutura desse género neste local?
JPB – Batia palmas. O presidente da Junta de Freguesia não tem grandes poderes, mas tem o dever de pensar estrategicamente a sua freguesia. E se não tem a competência de aprovar, pelo menos tem possibilidade de insistir para que a Câmara Municipal tenha dinamismo suficiente para saber captar esse investimento. O ministro da Economia anunciou recentemente que nos próximos cinco anos quer duplicar os hotéis de cinco estrelas. Gostaria que desses, pelo menos, dois ficassem no concelho de Faro, mas os autarcas vão ter que lutar por isso.
OA – Como deve ser efectuada essa luta?
JPB - O concelho de Faro tem de parar de chorar todos os dias porque é pobrezinho, tem a Ria Formosa que um grande condicionante ao aparecimento de empreendimentos turísticos. O concelho não é apenas a cidade e a Ria Formosa. Vejam os exemplos de outros concelhos, onde estes empreendimentos já começaram a surgir na área do barrocal. Se não lutarmos para conseguir, seremos muito maus presidentes. A mola real da economia do Algarve desde os anos 60 é o turismo. Agora, não temos de abandonar tudo o resto por causa do turismo. Mas perder a oportunidade é muito grave. Não tenho qualquer receio que surjam empreendimentos desses nas três freguesias do interior de Faro, que no fundo ocupariam apenas dois por cento da área total do concelho. A agricultura apenas acaba quando não tem viabilidade.
OA – Um dos problemas da aldeia prende-se com o trânsito.
JPB – Mesmo sem crescimento, a zona histórica, embora tenha algumas ruas bem dimensionadas, a maioria são estreitas e as famílias têm uma média de dois carros. As pessoas querem continuar a viver no mesmo sítio e estacionam em todos os recantos que encontram. No núcleo histórico não se podem alargar as ruas. Mas o ideal seria a concretização da circular sul a Estoi, que retirasse o trânsito do centro da aldeia. Mas como a nossa Câmara Municipal é pobrezinha, as coisas têm vindo a arrastar-se. No entanto, acredito que dentro de um ano esta esteja concluída, porque cada empreendedor ao fazer o seu empreendimento vai ter que fazer um troço da circular, porque esta também vai permitir realizar o saneamento básico necessário a esses empreendedores.
OA – Referiu há pouco que não gostaria que Estoi fosse um dormitório de Faro. Teme que isso venha a acontecer?
JPB – Estoi já é um dormitório de Faro. A maioria da população trabalha fora da aldeia. Deste modo, temos de criar condições para o investimento e criação de postos de trabalho. Se surgirem actividades económicas, já permite que as pessoas se fixem nestes locais.
OA – A falta de algumas estruturas, nomeadamente do pré-escolar, é uma condicionante da integração dos jovens na aldeia?
JPB – Desde há 15 anos que há apenas um infantário da paroquia, construído na casa paroquial, que tem uma capacidade pequena. E há uma ama ilegal, do conhecimento das autoridades, mas como não há alternativas também não podem encerrar. A Câmara de Faro vai candidatar uma nova escola do primeiro ciclo para Estoi que já contempla pré-primário a partir dos três anos. Isso já reduz o número de crianças a frequentar o infantário. Isso ficará resolvido em Setembro de 2008. Para além disso a própria Casa do Povo de Estoi, que renasceu após 20 anos de inactividade, também está a pensar candidatar-se – enquanto associação sem fins lucrativos – a um infantário. Estamos no bom caminho, para que os novos jovens casais que se radiquem em Estoi possam ter condições para criar os seus filhos.
OA – Quem vem viver para Estoi integra-se facilmente?
JPB – Quando fazemos as pequenas festas – bailes de Carnaval, santos populares, festa da pinha – não vejo os casais jovens a participar. Acho que as pessoas ainda se sentem fora da comunidade. Tem de existir um trabalho junto dessas pessoas, para que elas tenham a sensibilidade de que são de Estoi.
------ OA – O abastecimento de água e saneamento básico é uma das principais carências da freguesia. As obras previstas para finais de Junho vão colmatar as necessidades?
JPB – Torna-se difícil ir a todos os recantos da zona rural levar água e esgotos – isso é um investimento incomportável. Neste momento, apenas o núcleo urbano tem água e esgotos, ou seja, cinco por cento do território. Isto já vai criar a rede principal de quase todos os sítios, sendo que o saneamento básico chegará a quase 60 por cento da freguesia. Fará as estradas principais e a pessoa que precisa de captar água terá de gastar algum dinheiro para ligar desde o sítio onde passa o ramal até à sua casa. É um projecto que está a ser trabalhado há oito anos. No nosso País as coisas demoram sempre muito tempo, mas é bom que se vá falando e que não se desista.
in O Algarve.